Aposentadoria: o que pode mudar para servidores estaduais e municipais

Se Congresso unificar as regras

 Foto: Arte O Globo

Em discussão na Câmara, PEC unifica regras de União, estados e municípios. Texto também permite negociar dívidas e limita precatórios.

Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) já aprovada no Senado quer retomar parte da discussão da Reforma da Previdência de 2019 para obrigar estados e municípios a adotarem, ao menos, as mesmas condições do regime próprio dos servidores da União.

Cinco anos após a aprovação da mudança nas regras gerais da aposentadoria, alguns estados e a maioria dos municípios com regime próprio têm critérios de acesso ao benefício mais brandos que a União, prejudicando finanças locais, segundo especialistas.

O texto da PEC 66 foi aprovado sem chamar muita atenção no Senado Federal e está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Ele prevê que os regimes próprios de previdência social (RPPS) de estados, Distrito Federal e municípios seguirão as mesmas regras da União, exceto se adotarem “regras mais rigorosas quanto ao equilíbrio financeiro e atuarial”.

O projeto dá prazo de 18 meses para que os governos regionais promovam alterações. Caso contrário, passa a valer imediatamente o ordenamento hoje vigente para os benefícios federais.

Dentre as principais mudanças realizadas pela Reforma da Previdência de 2019 para os servidores está o aumento da idade mínima para aposentadoria. Antes de 2019, os funcionários públicos do sexo masculino precisavam de 60 anos de idade e 20 anos de contribuição e do sexo feminino, 55 anos de idade e 20 anos de contribuição.

Com a reforma, a idade mínima passou para 65 anos e 62 anos, respectivamente, além de, ao menos, 25 anos de contribuição, dez anos no serviço público e cinco anos no último cargo. Mas foram criadas duas regras de transição para quem já estava na ativa.

Na primeira, o servidor soma idade e tempo de contribuição. Neste ano, a pontuação é de 91 para mulheres e 101 para homens. Mas, além dos pontos, é preciso cumprir idade mínima — 57 anos (mulheres) e 62 anos (homens) — e tempo de contribuição mínimo — 35 anos para os homens e 30 anos para as mulheres. Eles precisam estar há 20 anos no setor público e há cinco anos no cargo.

Há ainda a regra do pedágio, que prevê que o servidor paga 100% do tempo que falta para se aposentar de acordo com as regras antigas. Ou seja, se na época da reforma faltavam quatro anos para se aposentar, o servidor teria de trabalhar por oito anos. Mas há também exigência de idades mínimas, de 57 para as mulheres e 60 para homens.

Previdência — Foto: Criação O Globo

Em relação à unificação de regras, a Reforma da Previdência só obrigou os entes federativos a criarem regimes de Previdência complementar e a ajustarem a alíquota de contribuição, seja a progressiva adotada pela União (7,5% a 22%) ou uma taxa mínima de 14%.

Na prática, a PEC 66 quer retomar as regras vigentes até 2019, quando as condições de acesso ao benefício eram iguais para os funcionários públicos da União, estados e municípios. Havia liberdade apenas para definir as alíquotas de contribuição previdenciária e eventuais cotas extras para cobrir o déficit.

‘PEC paralela’

Na tramitação da reforma, a discussão sobre os servidores de estados e municípios foi separada da proposta original e colocada na chamada PEC paralela, que ficou travada na Câmara. Assim, governos regionais ficaram livres para adotar as próprias regras, o que causa distorções por todo o país.

Das 27 unidades federativas, o Distrito Federal e mais seis estados (Amazonas, Roraima, Amapá, Maranhão, Pernambuco e Tocantins) não alteraram suas legislações.

Dentre os municípios, são 2.092 que têm regime próprio, dos quais apenas 755 adequaram as regras à reforma previdenciária de 2019, ou 36,09%, segundo o painel de acompanhamento mantido pelo Ministério da Previdência Social.

Nas capitais, 15 não atualizaram o regramento: Rio Branco, Maceió, Macapá, Manaus, Goiânia, São Luís, Cuiabá, Belo Horizonte, Belém, Rio de Janeiro, Porto Velho, Boa Vista, Florianópolis, Aracaju e Palmas.

O economista Rogério Nagamine acrescenta que, dentre os estados que alteraram suas legislações, 12 definiram regras mais brandas que as da União: Rondônia, Acre, Tocantins, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

Reprodução Google

— Tem muita regra diferente, fica uma salada. No caso dos municípios, o levantamento mostra que dois em cada três não fizeram reforma ou não fizeram nos moldes da Emenda 103 (Reforma da Previdência). O ideal é que todo mundo tenha a mesma regra, mas os parlamentares não quiseram ter o ônus político com servidores municipais e estaduais e ficou uma bagunça — diz Nagamine, lembrando que a pressão do funcionalismo é maior sobre prefeitos, vereadores, governadores e deputados estaduais.

Equilíbrio fiscal

Segundo o ex-secretário de Previdência Leonardo Rolim, a diferenciação imposta está causando grandes injustiças e déficits previdenciários maiores nos locais em que não houve qualquer reforma ou que as regras ficaram muito mais brandas.

Previdência — Foto: Criação O Globo

Ele cita, por exemplo, que professores do ensino fundamental do Distrito Federal são beneficiados em relação aos pares de cidades goianas próximas que fizeram reformas, como Novo Gama, a menos de 1 hora do centro de Brasília, com cinco anos a menos para conseguir acesso à aposentadoria.

— O déficit atuarial dos municípios está em R$ 1,1 trilhão, o dos estados, em R$ 3,1 trilhões. Se somar o da União (R$ 1,5 trilhão), dá praticamente outra dívida do país — disse o ex-secretário da Previdência, acrescentando que a alíquota extraordinária média para cobrir o déficit é de 16% no país. — Não é por acaso que ninguém mais consegue fazer investimento em infraestrutura, só o básico e o obrigatório. E mais ou menos um terço dos municípios não tem dinheiro para pagar o básico.

Para ele, a medida prevista na PEC 66 é benéfica para os municípios e vai colocar “ordem na casa”. Nagamine avalia que a obrigação vai significar redução da despesa previdenciária no médio e longo prazo.

— É importante fazer a correção do retrocesso que teve em 2019 de aplicar regra diferente para os servidores estaduais e municipais — disse Nagamine.

Após a PEC paralela, já houve tentativas de igualar as regras para os servidores de todo o país, como a PEC 38, elaborada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e encampada por um grupo de deputados.

No caso da PEC 66, o texto original tratava apenas do parcelamento das dívidas previdenciárias dos municípios e da limitação do pagamento dos precatórios das prefeituras — ordens de pagamento decorrentes de decisões judiciais definitivas.

A adequação dos regimes próprios dos entes federativos à Reforma da Previdência foi incluída em substitutivo apresentado no plenário do Senado pelo relator, senador Carlos Portinho (PL-RJ). A mudança foi feita, segundo ele, após amplo diálogo com o Poder Executivo e sugestões por parte do Ministério da Fazenda.

A medida, porém, gera revolta entre servidores estaduais e municipais. O Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate) manifestou preocupação com a proposta, especialmente com a obrigação de realização de novas reformas pelos governos regionais, ainda que já tenham aprovado mudanças nos regimes próprios.

Para o Fonacate, há violação do pacto federativo e a autonomia dos entes subnacionais, “ao impor uma obrigação que desconsidera as peculiaridades e necessidades locais”.

— Por que um estado ou município, que está com as contas em dia, tem que aumentar sua contribuição? — diz a secretária-geral do Fonacate, Rivana Ricarte.

Renegociação de dívidas

A PEC também prevê outras medidas para aliviar o caixa dos municípios: o parcelamento de dívidas previdenciárias e a limitação de pagamento de precatórios — que são ordens de pagamentos decorrentes de decisões judiciais definitivas. Dados do Senado apontam que a dívida previdenciária dos municípios totaliza cerca de R$ 200 bilhões.

O texto permite o parcelamento em até 25 anos das contribuições previdenciárias e demais débitos dos municípios com os respectivos regimes próprios de previdência social, inclusive aqueles que já foram parcelados anteriormente.

A proposta também dá as mesmas condições para a quitação de dívidas municipais com o regime geral de previdência social (RGPS, do INSS) para as cidades que optaram por esse sistema para pagar a aposentadoria de seus servidores.

A Taxa Selic será a única balizadora da correção e dos juros. De acordo com o relatório final do Senado, o impacto da PEC é de R$ 1,54 bilhão em 2024; R$ 1,73 bilhão em 2025; R$ 1,86 bilhão em 2026; e R$ 1,98 bilhão em 2027.

Além do parcelamento, a proposta cria limites para pagamentos de precatórios que variam de 1% a 5% da receita corrente líquida (RCL) do ano anterior a depender do tamanho do saldo devido.

A PEC teve várias contribuições da Fazenda, como estabelecer a Selic como a taxa para a correção e a inclusão de menção expressa à responsabilização dos gestores municipais para o caso em que haja inadimplência injustificada por parte dos municípios.

Para o ex-secretário de Previdência Leonardo Rolim, essa medida é positiva, pois vai dar alívio aos municípios que estão no vermelho e torna factível o pagamento da dívida:

— Não é interessante para a União ter dívida que não será paga.

Fonte O Globo

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