Trump vence Kamala e é eleito presidente dos EUA
Ex-presidente retornará à Casa Branca
Ex-presidente retornará à Casa Branca após eleição mais disputada das últimas décadas, apesar de seu flerte cada vez mais aberto com o extremismo.
O republicano Donald Trump venceu as eleições nos Estados Unidos após superar a democrata Kamala Harris em Wisconsin, com projeções da rede americana CNN e da agência Associated Press confirmando o resultado na manhã desta quarta-feira. Segundo presidente a vencer eleições não consecutivas na História dos EUA, ele já havia reivindicado a vitória ao conquistar a Pensilvânia, estado visto como decisivo na disputa pela Casa Branca.
Antes mesmo de alcançar os 270 delegados necessários para ser declarado o vencedor, Trump discursou na Flórida e prometeu “curar o país” em seu primeiro discurso após uma série de resultados positivos em estados-chave, que praticamente selaram seu retorno à Casa Branca após quatro anos. O republicano agradeceu ao povo americano “pela extraordinária honra de ter sido eleito o seu 47º presidente e o seu 45º presidente”, referindo-se ao seu primeiro e virtual segundo mandatos. Falando aos apoiadores, ele também declarou que “este será para sempre lembrado como o dia em que o povo americano recuperou o controle de seu país”.
— Vamos ajudar nosso país a se curar — continuou o ex-presidente republicano à multidão em West Palm Beach. — É uma vitória política que nosso país nunca viu antes.
Ainda durante a madrugada nos EUA (por volta das 5h no horário de Brasília), Trump já era projetado vencedor em três dos sete estados-pêndulo (Pensilvânia, Geórgia e Carolina do Norte). A vitória foi selada com a confirmação de vitória no Wisconsin, um estado em que se esperava uma vitória democrata.
— Vou lutar por vocês, pela sua família e pelo seu futuro todos os dias. Estarei lutando por vocês com cada respiração do meu corpo. Não descansarei até que tenhamos proporcionado a América forte, segura e próspera que os nossos filhos merecem e que vocês merecem. Esta será verdadeiramente a era de ouro da América — disse aos apoiadores.
Trump também usou parte de seu discurso para tecer muitos elogios ao bilionário Elon Musk, seu ferrenho apoiador, a quem teria prometido um cargo no governo caso fosse eleito novamente.
Ao encerrar o discurso, Trump mencionou o atentado sofrido durante um comício, em julho, e disse que sua vida foi poupada “por uma razão”.
— E esse motivo foi salvar nosso país e restaurar a grandeza da América. E agora vamos cumprir essa missão juntos — afirmou. — A tarefa que temos diante de nós não será fácil, mas trarei toda a energia, espírito e luta que tenho em minha alma para o trabalho que você me confiou.
Após o atentado, Trump e seus aliados usaram o incidente de forma quase messiânica, especialmente durante a Convenção Nacional Republicana, realizada dias depois do ataque, que feriu de raspão o ex-presidente.
Vários líderes mundiais já parabenizaram o republicano pelo resultado, com o premier israelense Benjamin Netanyahu sendo o primeiro a se manifestar.
Além da vitória de Trump, que ainda precisa ser oficializada, o Partido Republicano também assumiu o controle do Senado, em mais um duro golpe para os democratas.
Críticas e nostalgia
Trump venceu a disputa contra a democrata após quatro anos de uma campanha baseada nas críticas ao governo de Joe Biden, na nostalgia dos quatro anos do governo do republicano e, principalmente, em questionamentos ao mesmo processo eleitoral que o levou ao poder duas vezes. Como um dos mais célebres sobreviventes políticos dos EUA, Trump escapou de condenações ligadas à insurreição por ele conclamada em janeiro de 2021, e soube transformar o Partido Republicano à sua imagem, agora cada vez mais ligada ao extremismo.
O Trump de hoje está a anos-luz do Trump empresário que cultivou uma imagem de empreendedor de sucesso, frequentador do jet-set e promotor de lutas de boxe. A formação de um império imobiliário, ao mesmo tempo em que sua cidade natal, Nova York, experimentava um renascimento após os caóticos anos 1970, estampou seu nome nas ruas, e seu rosto se fez conhecido mundo afora, seja como apresentador de um reality show no qual cunhou o bordão “você está demitido!”, seja em uma ponta em “Esqueceram de mim 2”, filmado em um de seus hotéis.
‘Drenar o pântano’
Ao lado dos negócios, Trump sempre teve os olhos no meio político: nos anos 1980, chegou a cogitar uma candidatura à Casa Branca, com ideias que incluíam desde o corte do déficit fiscal a políticas de desarmamento nuclear com a União Soviética. Nos anos 2000, montou comitês exploratórios para verificar a viabilidade de uma entrada na corrida, quando nutriu laços com figuras de todos os lados do espectro político: em 2008, endossou Hillary Clinton nas primárias democratas contra Barack Obama — na eleição geral, apoiou John McCain. Anos depois, os três seriam alvo de comentários pouco republicanos.
Sua ascensão definitiva veio na década passada. Em 2011, em um discurso na CPAC, mais importante reunião conservadora dos EUA, apresentou propostas que pautaram seu discurso político nos anos seguintes, com foco na economia, políticas de controle do aborto e menos regras para a venda de armas de fogo. Em sua fala, declarou que “nosso país será grande novamente”, uma frase que se tornaria lema não apenas de sua vitoriosa campanha de 2016, mas também de todo um movimento moldado à sua imagem, o Maga.
Trump soube captar um sentimento global de insatisfação com o meio político tradicional. Ao prometer “drenar o pântano” em Washington, punha em xeque seus próprios companheiros de partido, que não foram poupados nas intensas primárias de 2016. O senador Marco Rubio, rival na disputa pela vaga como candidato republicano, era chamado de “Pequeno Marco”, enquanto Ted Cruz, outro postulante, foi xingado de mentiroso em mais de uma ocasião. A verborragia e a popularização das mentiras eleitorais, as famosas “fake news”, viraram marcas pessoais em uma campanha que surpreendeu analistas políticos, veteranos de Washington e até o próprio Trump: na celebração da vitória, na madrugada de 9 de novembro, o presidente eleito parecia catatônico, incrédulo com o que tinha acontecido.
Uma vez empossado, Trump governou em modo permanente de campanha, mesmo sem cumprir muitas de suas promessas. O famoso muro na fronteira com o México jamais foi concluído, apesar de ser sempre citado em seus discursos. De azarão nas primárias de 2016, começou a tomar as rédeas do Partido Republicano, deixando às margens lideranças tradicionais e trazendo para o ambiente de tomada de decisões elementos radicais, inclusive conspiracionistas que o apoiaram nas urnas.
Trump serviu como um catalisador da divisão política, que normalizou pensamentos e atos outrora relegados às margens do espectro político. Em 2017, após uma marcha de neonazistas em Charlottesville, na Virgínia, quando uma mulher foi morta, disse que “havia pessoas boas dos dois lados”. Após a eclosão da pandemia de Covid-19, abusou da xenofobia ao chamar a doença que matou mais de um milhão de americanos de “vírus chinês”, e propagou tratamentos não recomendados por especialistas: em abril de 2020, ele indicou injeções de desinfetante contra o coronavírus, e o país viu um aumento de casos de intoxicação por produtos de limpeza.
Na reta final da campanha pela reeleição, disputada contra Joe Biden, defendeu a repressão aos protestos contra o racismo sistêmico nos EUA, iniciados após a morte de George Floyd, em maio de 2020. Segundo integrantes de seu governo, o então presidente perguntou se os soldados podiam “atirar nos manifestantes”, e pediu abertamente para que as forças de segurança “quebrassem crânios” e “espancassem” quem estivesse nas ruas.
Era um prelúdio para os últimos atos de seu primeiro mandato.
Em novembro de 2020, Trump perdeu para Biden, mas se recusou a aceitar os resultados, tentando uma série de manobras — ilegais — para permanecer na Casa Branca. Na última cartada, contou com o apoio de seus eleitores mais radicais, incluindo milícias de extrema direita e, tal como um pretenso messias moderno, guiou-os para o Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021, quando o Senado confirmaria a vitória do atual presidente.
A invasão que se seguiu foi classificada dentro e fora dos EUA como uma tentativa de golpe de Estado, que deixou sete mortos e resultou em mais de mil processos e penas de até 20 anos de prisão. Trump, como o sobrevivente político que já havia demonstrado ser, usou o momento para se impulsionar como o líder de uma direita cada vez mais extrema, que agora comandava o Partido Republicano…ou o Partido de Trump.
Em quatro anos de campanha, o republicano radicalizou o discurso e trouxe para o seu lado elementos ainda mais extremistas, incluindo simpatizantes do nazismo — a teoria QAnon, famosa no final da década passada, soava quase como uma história de ninar diante de suas falas comparando imigrantes a animais, contendo elementos de misoginia impublicáveis e em defesa da retirada de direitos conquistados a duras penas, como ao aborto legal e a técnicas de inseminação in vitro.
‘Inimigo interno’
No mês passado, ele reuniu milhares de apoiadores no Madison Square Garden, em Nova York, para seus argumentos de encerramento de campanha, um evento comparado por democratas a uma reunião nazista realizada em 1939 na arena que ficava no mesmo local. Na fala, Trump disse que os EUA são um “país ocupado”, que ele precisava ser eleito para “combater o inimigo interno” e para derrotar “a violenta máquina da esquerda radical que comanda o Partido Democrata”. Dias depois, afirmou que Liz Cheney, ex-deputada republicana e uma algoz de primeira linha, deveria ser fuzilada.
Mas nem mesmo o discurso “com inclinação ao fascismo”, como definiu seu ex-secretário de Defesa Mark Esper, afastou seus eleitores. Os resultados comprovaram um voto com o bolso, com a lembrança da baixa inflação dos tempos do governo Trump, a favor de maiores controles à imigração, e que ignorou os questionamentos ao sistema e incitações à violência. Para muitos republicanos, conforme mostraram pesquisas divulgadas semanas antes da votação, o real risco à democracia era Joe Biden (e, por consequência, Kamala). Um cenário que remetia a uma fala do próprio ex-presidente em janeiro de 2016, quando sua chegada à Casa Branca não era levada tão a sério.
— Eu poderia ficar no meio da Quinta Avenida e atirar em alguém, e não perderia nenhum eleitor — afirmou o então pré-candidato em um discurso em Iowa.
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