Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz são condenados pelos assassinatos de Marielle e Anderson Gomes
Julgamento durou dois dias
Réus confessos, eles foram sentenciados a 78 anos e 9 meses de prisão, Ronnie e Élcio a 59 anos e 9 meses.
Após 2.423 dias dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, os exs-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram condenados pelos crimes. Réus confessos, eles foram sentenciados pelo Conselho de Sentença do 4º Tribunal do Juri do Rio de Janeiro. Ronnie Lessa foi condenado a 78 anos e 9 meses de prisão e Élcio de Queiroz a 59 anos e 9 meses de prisão. Muito emocionadas, as famílias e amigos das vítimas aplaudiram a sentença.
‘Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes’
Na leitura de sua sentença, a magistrada afirmou que a: “a Justiça por vezes é lenta, cega, torta, mas chega até apara os acusados que acham que jamais serão alcançados pela Justiça”.
— A sentença lida agora talvez não traga a justiça. Justiça seria que o dia de hoje não tivesse acontecido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Dizemos que vítimas do crime do homicídio são aqueles que ficam vivo tendo que sobreviver no esgoto que é o vazio de viver sem aquele que foi arrancado do seu cotidiano — disse a juíza na sentença.
— A sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes e aos vários Ronnies e Élcios que existem na cidade do Rio livres por aí. A Justiça chegou para eles— completou a magistrada.
A juíza também condenou os dois a pagarem a Arthur, filho de Anderson Gome, uma pensão até ele completar 24 anos. Para cada um dos familaires das vítimas (Arthur, Ághata Arnaus, Luyara Franco, Mônica Benício e Marinete Silva). Eles não poderão recorrer da sentença em liberdade.
Marinete Silva, mãe de Marielle Franco disse que nunca deixou de acreditar na Justiça
— A sociedade de forma geral esperava por isso. São mais de 6 anos lutando e nunca paramos de acreditar. Eles precisam pagar — afirmou.
Como foi o julgamento
O juri durou dois dias. Nesta quinta-feira os promotores do Ministério Público, os advogados da assistência de acusação e da defesa dos réus defenderam suas teses aos jurados. O MP pediu a condenação máxima de 84 anos por todos os crimes que Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz respondem.
O promotor de Justiça Fábio Vieira classificou como “farsa” o depoimento de Lessa e Élcio diante do júri, na noite desta quarta-feira, e afirmou que os réus não estão arrependidos, mas sim tristes por terem sido pegos. Os promotores do Ministério Público também destacaram o sangue frio com que o ex-PM relatou o crime.
— Na verdade, eles não estão com sentimento de arrependimento, estão com uma tristeza de terem sido pegos. Estão arrependidos? Não. Porque isso vai beneficiá-los de alguma forma. Isso é uma característica do sociopata. Ele não tem emoção em relação aos outros, não tem sentimento, não valores, não tem empatia — afirmou Fábio Vieira.
O advogado de Ronnie Lessa destacou a importância da delação dada por ele, no qual indicou Chiquinho e Domingos Brazão como os mentores.
— Se não fosse a colaboração de Ronnie Lessa, nunca teriam chegado. Ronnie não confiava nas instituições do Rio de Janeiro. Ele tinha um certo temor em falar essas questões e, evidentemente, isso não ser levado para frente. No julgamento de hoje, eu peço a condenação de Ronnie Lessa, mas que ele seja condenado de uma forma justa. Que ele responda à medida de sua culpabilidade — afirma o advogado Saulo Carvalho.
Já os defensores de Élcio de Queiroz buscam reduzir a pena do réu confesso defendendo que ele não tinha conhecimento prévio do crime ou a motivação para o homicídio. Segundo a advogada, Queiroz acreditava que apenas Marielle seria morta por Lessa ser um “exímio atirador”, e não que poderiam haver outras vítimas.
— Que seja condenado na medida de sua culpabilidade. Ele assumiu os fatos, ele narrou os fatos, fala a verdade, o que é obrigatório porque, se não, o acordo pode vir a ser cancelado. Ele tem compromisso de falar a verdade. Mas ele tem que ser responsabilizado de acordo com a sua culpabilidade — disse Ana Paula Cordeiro.
No julgamento dos assassinos confessos, famílias revivem momentos de dor e angústia
Detalhes marcantes de 2.422 dias de sofrimento para as famílias das vítimas foram revisitados durante o julgamento dos assassinos confessos. Diante do Tribunal de Justiça do Rio, manifestantes seguravam faixas e girassóis. Dentro, nove testemunhas prestaram depoimentos, alguns comoventes, cheios de lembranças. Os acusados também foram ouvidos. O destino deles será traçado pelo corpo de jurados composto por sete integrantes, todos homens.
Única sobrevivente do ataque ao carro onde estavam Marielle e Anderson, a assessora Fernanda Chaves relembrou a noite do crime, no bairro do Estácio:
— Anderson dirigia bem, tranquilamente. O carro era muito escuro. Eu e Marielle conversávamos sobre o evento que tinha acabado de acontecer (um debate na Lapa). Pouco depois, eu estava muito ensanguentada. Comecei a pedir ajuda, a gritar por socorro.
Por 45 minutos, Marinete Silva, mãe de Marielle, descreveu momentos ao lado da filha e contou como a morte impactou a família:
— É uma falta, um vazio, um coração que tem um pedaço que foi arrancado covardemente, injustamente (…). Eu não estou aqui para falar da Marielle parlamentar, símbolo de resistência. Estou aqui como uma mãe que sofreu esses anos todos com a falta da filha.
As palavras de Ágatha Arnaus, viúva de Anderson, também emocionaram o plenário. Ela lembrou que o filho do casal tinha 1 ano e 7 meses quando o crime aconteceu. O Ministério Público estadual mostrou um vídeo do motorista tomando conhecimento de que seria pai. Ághata desabou ao ver as imagens.
— A primeira coisa que Arthur (filho do casal) fez foi falar “papai”. Eu não sei se Arthur tem toda a compreensão do que aconteceu. Ele tem uma vida com uma mãe destruída. O pior momento que vivi com meu filho foi seis meses depois da morte do Anderson. Arthur precisou passar por uma cirurgia e eu estava sozinha com ele. Foi a primeira vez que eu estava sem Anderson em um hospital com meu filho. Os médicos falavam para eu me preparar, porque a situação era frágil. Anderson era a pessoa que sempre dizia que tudo ia dar certo.
O momento mais tenso do julgamento foi quando Ronnie Lessa, que confessou ter atirado, começou a depor por videoconferência (ele e Élcio estão em presídios federais). Com muita naturalidade e sangue frio, ele relatou como foi contratado e cometeu o crime. A família e os amigos da vereadora e de Anderson acompanharam o depoimento em completo silêncio, que só foi quebrado pelo choro de Luyara Franco, filha da parlamentar, que saiu do plenário amparada.
— Quando eles pararam num sinal vermelho, Élcio emparelhou o carro e eu fiz os disparos — disse Lessa.
Lessa pede perdão
O atirador alegou ao júri que Élcio só soube que Marielle seria o alvo no dia do crime, quando enviou para o comparsa uma foto dela.
— Depois que ele foi expulso da polícia, sempre me pedia para arrumar algo, dizendo que tinha que se levantar. Pedia um trabalho de segurança, alguma coisa. Quando eu o chamei para o trabalho, não disse diretamente que era algo do Macalé, ficou meio nublado — explicou.
No final do depoimento, Lessa pediu perdão às famílias das vítimas.
— Queria pedir perdão às famílias de Marielle, do Anderson e à minha própria. Quero fazer o possível para amenizar o dano e trazer todos os envolvidos à tona. Fiquei cego mesmo.
O pedido de perdão foi recebido com incômodo pelos familiares. A viúva e a irmã de Marielle, respectivamente a vereadora Monica Benicio e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, ficaram de pé. A filha, Luyara Santos, deixou o plenário.
Fonte EXTRA