Ziraldo, pai do Menino Maluquinho e ícone da literatura infantojuvenil, morre aos 91 anos
Cartunista formou leitores de diversas gerações
Morreu na tarde deste sábado (6), aos 91 anos, o jornalista, cartunista e escritor Ziraldo Alves Pinto, mais conhecido como Ziraldo. Criador de personagens famosos, como Menino Maluquinho e Flicts, ele é autor de alguns dos principais clássicos da literatura infanto-juvenil brasileira, vendendo milhões de cópias. A morte foi confirmada pelo Instituto Ziraldo. A causa da morte não foi informada.
Qualificações profissionais não faltaram a Ziraldo — cartazista, chargista, cartunista, quadrinista, pintor, desenhista, dramaturgo, caricaturista, escritor, cronista, humorista, jornalista… Mas, para fazer justiça, bastaria dizer: referência das artes gráficas no Brasil. Pai do Menino Maluquinho, o maior sucesso da história da literatura infantil no país. Um dos fundadores do jornal “O Pasquim”, símbolo da resistência cultural às arbitrariedades do regime militar no fim dos anos 1960. E uma das figuras mais ativas da cultura nacional dos últimos 70 anos.
Ziraldo Alves Pinto nasceu em Caratinga, Minas Gerais, em 24 de outubro de 1932. Começou a desenhar ainda criança, fazendo caricaturas de personalidades como Getúlio Vargas e Adolf Hitler. Com apenas 6 anos, publicou um desenho no jornal “Folha de Minas”. Logo desenvolveu uma fascinação por histórias em quadrinhos como “Flash Gordon” e “O Fantasma”, que iriam inspirá-lo para criar as HQs “Teleco e Tim”, “Capitão Tex” e, em 1960, a “Turma do Pererê”, primeira revista em quadrinhos feita por um só autor — e totalmente em cores — produzida no Brasil. Ziraldo se dizia um filho dos comics americanos.
— Eles e o cinema, que têm em comum a narrativa, são as duas grandes artes americanas — disse, em 2002, ao GLOBO.
No Rio de Janeiro, o artista trabalhou inicialmente para agências de publicidade. Retornou a Minas para servir o Exército e, ao voltar ao Rio, foi trabalhar nas revistas “O Cruzeiro” e “A Cigarra”. O golpe militar de 1964 pôs fim à “Turma do Pererê”, com seus animais falantes, índios e fazendeiros (ela foi reeditada, sem tanto sucesso, na década de 1970). Outros personagens de quadrinhos, porém, sairiam da prancheta de Ziraldo para o sucesso: Jeremias, o Bom; a Supermãe e Mineirinho, o Comequieto (este, para a “Revista do Homem”).
Em 1968, Ziraldo era artista com trabalhos publicados nas revistas “Graphis” (referência das artes gráficas, da Suíça), “Penthouse” e “Private Eye”. Em 1969, ano de fundação do “Pasquim”, ganhou prêmio de humor no 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas e tornou-se o primeiro latino-americano a ser convidado para fazer o cartaz de Natal da Unicef.
A proximidade com os diretores do Cinema Novo fez com que Ziraldo fosse convidado para criar cartazes de filmes como “Os fuzis” e “Os cafajestes” (ambos de Ruy Guerra), “Assalto ao trem pagador” (Roberto Farias) e “Todas as mulheres do mundo” (Domingos de Oliveira). Também seus são os cartazes clássicos, de traços inconfundíveis, como o do primeiro Festival Internacional da Canção, dos shows de Jô Soares e da Feira da Providência — obras reunidas em 2009 no livro “Ziraldo em cartaz”, organizado por Ricardo Leite.
Ainda em 1969, Ziraldo estreou na literatura infantil com “Flicts”, livro em que conta a história de uma cor “diferente”, que não consegue se encaixar no arco-íris, e que não demorou para se tornar um clássico. Onze anos depois lançaria “O Menino Maluquinho”, que em 2020, ao se tornar “quarentão”, já somava 129 edições e quatro milhões de exemplares vendidos apenas no Brasil — a história foi publicada em mais de dez países, e ganhou duas adaptações para o cinema.
— Acredito que o Maluquinho teve esse alcance durante tanto tempo por despertar identificação nos leitores — disse Ziraldo em entrevista ao GLOBO em 2020, ocasião do lançamento da edição comemorativa dos 40 anos do livro. —As crianças olham para o personagem e pensam: “Opa, isso é comigo”, ou “eu sei o que ele está sentindo”. Acho que o principal é fazer as crianças se emocionarem e verem isso como uma coisa boa.
Ziraldo também destacava o cuidado e a dificuldade de se escrever para crianças. “Leva-se muito tempo até encontrarmos a medida certa para elas. Por isso, acho absurdo quando ainda encontro pessoas que consideram a literatura infantil como uma literatura menor”, disse ele, em 2017, na Bienal do Livro do Rio. Nas Bienais, aliás, as sessões de autógrafos do escritor se tornaram famosas pelas filas gigantescas, que duravam horas, formadas por fãs de diversas gerações.
Charges políticas
Um outro lado de Ziraldo era o das charges políticas, que faziam com que os retratados ligassem para sua casa logo de amanhã, elogiando-o ou criticando-o. Algumas das suas últimas foram publicadas em 1982, quando estava no “Jornal do Brasil”. Em 1999, Ziraldo voltou à carga com o humor crítico do “Pasquim” e das charges ao lançar a revista “Bundas”, do lema “Quem mostra a bunda em ‘Caras’ não mostra a cara em ‘Bundas’”. Em 2002, relançou brevemente “O Pasquim”.
Desde 2013, quando foi fundado o Instituto Ziraldo no estúdio do cartunista, a família se esforça para catalogar e preservar sua obra. A pesquisa rendeu inclusive a exposição “Os planetas de Ziraldo”, de 2018, com curadoria da cineasta e cenógrafa Daniela Thomas, sua filha, e uma edição da “Supermãe”, em 2019 com diversas charges inéditas.
Em 2015, Ziraldo (então com 82 anos), Zuenir Ventura e Luis Fernando Verissimo inspiraram as histórias do musical “BarbarIdade”, sobre a velhice, escrito por por Rodrigo Nogueira. Em entrevista ao GLOBO para divulgar o espetáculo, ele fez piada sobre ter dito, em 1980, em entrevista a Ruy Castro para a revista “Playboy”, nunca ter brochado na vida.
— Eu mantenho o mito! Vou desmentir? Só Deus sabe do coração humano. Depois que inventaram remédio para isso, parece que prolongou a vida do velho. Mas se a Pfizer (fabricante do Viagra) tivesse inventado um remédio para a libido, venderia muito mais. Minha experiência mostra que 80% dos meus contemporâneos perderam o tesão. Eu, não. Eu penso em sacanagem até hoje!
Nos últimos anos, Ziraldo vinha sofrendo com problemas de saúde. Em 2013, sofreu um infarto leve em Frankfurt, na Alemanha, e foi submetido a um cateterismo. No ano seguinte, foi internado novamente para exames após passar mal. Em 2018, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), que o deixou um mês internado. Na ocasião, um boato sobre sua morte circulou na internet, e foi respondido com bom humor pelo cartunista. Ele postou em seu Instagram uma foto em que aparecia não apenas vivo, como sorridente. “Uma vez Menino Maluquinho sempre Maluquinho. Ziraldo firme e forte!”, escreveu.
Segundo Adriana Lins, sobrinha de Ziraldo, o cartunista morreu em sua casa neste sábado (6), às 14h30.
— Parou de respirar, tranquilo. Descansou — disse Lins. — Já vinha muito fraquinho há meses.
Fonte O Globo