Governos ignoram pesquisas sobre o avanço do mar na região
Pesquisador da UENF alerta.
O geógrafo e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Marcos Pedlowski, analisa a situação da costa fluminense, alvo de um longo processo de erosão nas últimas décadas.
Embora a localidade de Atafona, em São João da Barra, seja o caso mais conhecido, o problema também afeta o litoral de Campos dos Goytacazes, Macaé, Rio das Ostras e outras cidades. Apesar de vários estudos científicos realizados por universidades, o pesquisador considera que diferentes níveis de governos não contribuem suficientemente para prevenir e combater o problema.
Como analisa a situação da costa regional que tem registrado frequente avanço do mar e erosão? Quais as principais causas?
A primeira questão a se observar é que a linha da costa é naturalmente móvel, pois depende da ação temporal de forças dinâmicas que envolvem as águas oceânicas, incluindo a força e orientação das correntes marinhas, e aquelas vindas do continente. Assim, o que devemos sempre esperar é a presença de elementos de mudança, ainda que em algumas áreas essa mudança ocorra em períodos de tempo diferenciados. Isso explica porque em alguns pontos do litoral fluminense há mais mudanças visíveis do que em outros, mas é sempre importante notar que mudanças são parte desse jogo de forças entre o mar e o continente.
É importante notar que um estudo realizado pelo do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) mostrou que pelo nível do mar no estado de São Paulo subiu menos 20 centímetros nos últimos 73 anos, afirma pesquisa. Esse mesmo estudo apontou que até 2050, a elevação pode chegar a 36 centímetros se o padrão de emissão de dióxido de carbono – CO2 – não cair.
Se extrapolarmos os dados desse estudo para o Rio de Janeiro, o que teremos é que provavelmente poderemos ter mais mudanças em um ritmo mais rápido do que o atual. No caso do Norte Fluminense, penso que os pontos de erosão costeira poderão aumentar em número e intensidade.
O fenômeno mais conhecido está em Atafona, São João da Barra, mas a reportagem tem registros da erosão crescente em Farol de São Thomé, praias de São Francisco de Itabapoana, Macaé e Rio das Ostras, entre outros, nas últimas décadas. Até que ponto as alterações climáticas e ações humanas agem nesses locais?
As primeiras análises sobre a seca extrema que ocorreu na Amazônia brasileira em 2023 mostram que ali estavam presentes elementos que misturam a presença de fenomenos regionais, como são os casos do El Niño, e também do desmatamento de grandes áreas da bacia amazônica, combinados com alterações de padrões climáticos associados às mudanças climáticas globais. Eu diria que essa combinação de fatores locais e regionais com as mudanças climáticas estarão presentes também na alteração de padrões vigentes, por exemplo, na dinâmica de modelagem da paisagem costeiras do estado do Rio de Janeiro. O fato é que o derretimento das geleiras no Polo Sul vai causar a elevação do nível médio do oceano em nossa região, o que deverá acelerar os processos erosivos.
Diante desse cenário, o que temos é que o futuro será marcado por interações complexas entre fenomenos de caráter local e os de níveis regional e global. Essa será a grande marca das próximas décadas.
As cidades brasileiras concentram grande população na faixa litorânea do país. Como observa sobre esse tipo de urbanização e ameaças que as cidades correm com o avanço do mar?
Estudos realizados em nível mundial mostram que essa concentração de população em cidades costeiras será um dos principais desafios no processo de adaptação climática. No caso do Brasil, temos uma população majoritariamente urbana e com muitas cidades importantes localizadas no litoral, incluindo capitais localizadas em ilhas, como é o caso de Florianópolis e Vitória, mas posso também citar Santos e São Vicente em São Paulo. Com isto, o alarme de urgência para que sejam desenvolvidas políticas urbanas de adaptação climática já deveria ter soado há algum tempo, mas tudo continua sendo tratado dentro do “business as usual”. Essa situação é muito preocupante, na medida em que as estruturas necessárias para a adaptação são muito caros e implicam em grandes investimentos, que sejam distribuídos e executados de forma eficiente ao longo do tempo.
A situação que descrevo é agravada pela predominância de um modelo de urbanização que é social, economicamente e racialmente segregado. Com isso, é mais do que realista esperar que as próximas décadas serão marcadas por grandes dificuldades, especialmente para os segmentos mais pobres da população, que no caso brasileiro é majoritariamente negra.
A construção de barreiras ou quebra-mares é capaz de frear ou minimizar o problema? Que obras seriam necessárias para evitar mais danos em Atafona e cidades vizinhas, por exemplo?
A construção de barreiras físicas para fazer frente ao processo de erosão costeira já está sendo feita em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. No entanto, se não houver um processo de planejamento integrado, a construção de estruturas físicas não passará de mero paliativo, representando ainda desperdício de dinheiro público.
A aplicação de um planejamento integrado seria um pré-requisito para a adoção de medidas que possam ser mais efetivas. Além disso, há que se levar em conta a experiência de países que já adotaram medidas para conviver com a elevação dos oceanos, o que demanda que o Brasil invista em desenvolvimento científico e tecnológico voltado para a adaptação climática.
Como observa as ações de governos locais, estadual e federal, além de órgãos ambientais nessa questão que envolve avanço do mar ou erosão costeira?
As ações dos diferentes níveis de governo são parte do problema, pois corriqueiramente estão na raiz de processos que alteram a dinâmica natural das regiões costeiras.
Por outro lado, quando se age para supostamente responder ao avanço do mar e da eorsão costeira, o que se vê é um alto nível de amadorismo e desprezo pelo conhecimento científico existente. A preferência dos governantes é por executar obras meramente paliativas que não possuem sustentação lógica, e, muitas vezes, estão ligadas a interesses que não são necessariamente republicanos.
As pesquisas e relatórios provenientes das universidades têm contribuído de que forma para refletir e combater o problema no litoral fluminense?
Na maioria das vezes, os pesquisadores que trazem à tona verdades que os governantes consideram inconvenientes têm seus trabalhos ignorados, quando não acontece a perseguição pura e simples dos mensageiros das más notícias.
O que ocorre de forma mais comum é que quando os pesquisadores são chamados, isto se dá de forma pontual e sob pressão da população. Quando essa pressão para, o conhecimento científico volta a ser ignorado e as ações voltam a ser controladas por visões não científicas.
No caso do litoral fluminense, me parece que é isso exatamente o que acontece, apesar de termos pesquisadores de excelente nível que possuem um lastro significativo de conhecimento sobre o que está acontecendo, e de quais medidas seriam mais apropriadas para se promover o processo de adaptação às mudanças climáticas e seus desdobramentos nas regiões costeiras.
Gostaria de destacar medidas de prevenção e combate que podem auxiliar nessa questão?
Eu penso que a proteção das áreas de restinga e de manguezais deveria ser a primeira prioridade dos governantes. A partir daí, o que deveria estar sendo feito seria a realização de estudos para a ampliação de áreas de proteção ambiental que conservem esses ecossistemas.
Por outro lado, há que se restringir e retroagir a construção de áreas residenciais nas áreas costeiras, pois já se existem estudos que mostram que o avanço do mar vai ocorrer de forma ainda mais aguda nas próximas décadas. Se não houver o devido esforço de planejamento urbano, o que teremos de forma inexorável será o avanço das águas oceânicas sobre grandes concentrações populacionais. Para que isso não ocorra, há que se levar em consideração as previsões dos modelos climáticos e iniciar uma necessária reordenação das terras urbanas. Do contrário, viveremos situações dramáticas quando o avanço do mar se tornar mais evidente.
Como observa o futuro das populações que vivem próximas ao mar e estão envolvidas diretamente com mudanças climáticas e erosão costeira?
Em função do que já respondi, o futuro dessas populações dependerá primeiro de uma completa mudança de visão dos governantes em relação às mudanças climáticas e suas consequências. O problema é que na maioria dos países, o Brasil especialmente, a maioria dos governantes vem optando por ignorar a nova realidade climática e continuam praticando visões ultrapassadas e ineadaquadas de governar. É uma espécie de cegueira proposital e que trará consequências dramáticas para as populações que vivem em regiões costeiras.
Trata-se de um fenômeno irreversível a questão do avanço do mar no Brasil e no mundo? O combate ao aquecimento global “resolveria” a questão?
Segundo os modelos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) não há mais como reverter a questão da elevação do nível médio dos oceanos, mas é possível ainda ter algum controle sobre o nível de aquecimento do planeta, o que terminaria impactando o grau de elevação que ocorrerá. É em função disso, que as diferentes conferências do clima (as chamadas COPs) vêm tentando estabelecer compromissos que implicariam numa elevação menor dos oceanos.
Entretanto, o que temos tido até agora de resultados práticos é irrelevante, pois os resultados das conferências têm sido meramente protocolares e as mesmas práticas que resultaram no aquecimento da atmosfera da Terra continuam sendo realizadas, tendo como resultado reduções desprezíveis na emissão de gases causadores do efeito estufa.
Comente algo que não tenha perguntado e considere indispensável citar para refletir este tema.
Espero ter deixado claro que considero que a elevação do nível do mar causado pelo derretimento das calotas polares e geleiras continentais representará um grave desafio para a Humanidade nas próximas décadas. Mas também considero que ainda não há um compromisso efetivo de governos em diferentes escalas espaciais em agir para enfrentar esse desafio gigantesco. Considero que apesar da maioria das pessoas ter questões mais urgentes para tratar, como conseguir um prato de comida todos os dias, há que se tornar essa discussão mais corriqueira e de compreensão mais fácil.
Por outro lado, aos governantes, especialmente aos que operam na escala dos municípios, há que se dizer que a roda da História está girando e a falta de políticas públicas estruturantes terá consequências dramáticas no futuro. Por isso é fundamental que os municípios passem a tratar a questão das mudanças climáticas de forma séria, estabelecendo planos de adaptação climática, reservando orçamento não apenas para ações emergenciais que se tornarão cada vez mais necessárias, mas também para minimizar os riscos advindos do avanço do mar e da ocorrência de eventos meteorológicos extremos.
Fonte J3News