Fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol é votado na ALERJ

Polêmicas, preconceitos, ignorância e burocracias em torno do tema.

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Texto de autoria do deputado Carlos Minc (PSB) prevê que o remédio seja identificado individualmente.

A Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) votará nesta quinta-feira um projeto que permite o fornecimento gratuito de medicamentos à base de canabidiol no Rio. A proposta, de autoria do deputado Carlos Minc (PSB), prevê que eles sejam distribuídos para pessoas hipossuficientes e define outras regras, como um laudo médico que ateste que o medicamento é a melhor alternativa ao paciente.

O projeto ainda prevê que para ter acesso ao medicamento será preciso seguir os procedimentos padrões do SUS e seguir as orientações da Anvisa. O texto ainda define que são remédio à base de canabindol aqueles com autorização sanitária e “com propriedades medicinais, sem efeitos psicoativos significativos, que possuam potenciais finalidades terapêuticas para os pacientes com doenças que comprovadamente tenham diminuição de sintomas associados às enfermidades, bem como desempenhem papel fundamental na regulação de várias funções fisiológicas”.

No domingo, o EXTRA mostrou as histórias de pacientes que recebem medicamentos à base de canabidol distribuído por Volta Redonda, uma das cidades pioneiras no Rio, junto com Armação de Búzios, a distribuí-lo pela rede pública de saúde. A felicidade de Beatriz Oliveira da Costa, de 28 anos, é trabalhar. Com paralisia cerebral, a designer gráfica usa os pés para produzir suas artes, mas as dores se tornavam tão intensas que já a impediam de fazer o que mais gosta. Até ela começar a tomar, este ano, o óleo de canabidiol, que a ajudou a exercer sua profissão novamente.

Reprodução EXTRA

A felicidade de Beatriz Oliveira da Costa, de 28 anos, é trabalhar. Com paralisia cerebral, a designer gráfica usa os pés para produzir suas artes, mas as dores se tornavam tão intensas que já a impediam de fazer o que mais gosta. Até ela começar a tomar, este ano, o óleo de canabidiol, que a ajudou a exercer sua profissão novamente. Ela recebe o produto gratuitamente, em Volta Redonda, uma das cidades pioneiras no Rio, junto com Armação de Búzios, a distribuí-lo pela rede pública de saúde.

Polêmicas, preconceitos e burocracias em torno do tema ainda impõem desafios à oferta da terapia. Mas os responsáveis pelos programas municipais garantem que, para enfrentar as barreiras, a motivação vem da melhora na qualidade de vida de pacientes como Beatriz.

— Eu tenho espasmos, e meus músculos são tensos, o que causa dores muito fortes. Então, passei a usar o óleo no lugar de um remédio que me fazia mal. Aos poucos, estou relaxando. As dores melhoraram uns 50% — contou Bia.

Em Volta Redonda, o fornecimento do produto a pacientes do SUS começou no fim de março, destinado, inicialmente, a pessoas com epilepsia refratária, transtorno do espectro autista, mal de Parkinson e doença de Alzheimer que não respondiam a tratamentos convencionais e com indicação médica para uso do óleo à base de canabinoides. Já são mais de 270 moradores atendidos. E a paciente número zero, que há 16 anos vive com o mal de Parkinson, já relata aos médicos a satisfação de voltar a realizar tarefas do cotidiano, como tomar banho sozinha e estender roupa na corda.

Percalços jurídicos

Mas, até que ela tivesse acesso às primeiras doses, a prefeitura precisou recorrer a inúmeras soluções diante de percalços, inclusive, jurídicos. Uma empreitada inaugurada quando o prefeito Antonio Francisco Neto, ao observar o resultado obtido por um parente de um amigo, virou um entusiasta de proporcionar o mesmo a quem não podia pagar pelo óleo — o mais barato não custa menos de R$ 200.

Uma lei local, de 2022, previu que o tratamento fosse oferecido na rede municipal de saúde. Desde 2015, uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já permitia a importação, em caráter de excepcionalidade, de produtos à base de canabidiol por pessoas físicas, para uso próprio, mediante prescrição de médico legalmente habilitado. Posteriormente, foi autorizado ainda que o paciente se tornasse sócio de uma das associações para cannabis medicinal no Brasil ou comprasse em farmácias, onde o produto é ainda mais caro.

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Mas a prefeitura avaliou que, pelas regras atuais, o município ainda não poderia fazer uma licitação, comprar e estocar o produto, sob pena de questionamentos de órgãos de controle. Para adquirir a primeira leva, a saída foi fechar uma parceria de R$ 120 mil com o Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA), cujos professores da área de saúde acompanham os pacientes para a realização de pesquisas. Em outra frente, o prefeito angariou doações, na ordem de R$ 100 mil, entre empresários defensores da terapia, alguns com familiares fazendo uso do óleo.

— O tratamento modifica a vida das pessoas. Via que os resultados eram interessantes, principalmente, para quem está na melhor idade, e aqui no município temos um olhar especial para os idosos. Mas só quem tem dinheiro tinha acesso — conta o prefeito, com a missão agora de juntar R$ 500 mil em doações para a compra de mais 1.200 frascos que darão continuidade ao programa na cidade.

Coordenadora de Assistência Farmacêutica de Volta Redonda, Juliana Boechat explica que o município viabiliza todos os meios, inclusive financeiros, para que os pacientes cadastrados solicitem, individualmente, a autorização junto à Anvisa para importar o produto. A compra é feita de uma farmacêutica americana, e os moradores recebem o óleo em casa.

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— Um caso que me marcou foi o de uma mãe de uma criança com autismo que há quatro anos não ouvia a voz do filho. Depois que ele iniciou o tratamento, ele voltou a falar, se comunicar melhor com a família. A verdade é que já tínhamos uma demanda reprimida de muitos pacientes com indicação de uso — diz Juliana.

Em Búzios — cuja lei que garante o uso e a distribuição de cannabis medicinal data do fim de 2021 — são cerca de 400 crianças com o transtorno do espectro autista e epilepsia refratária que, desde setembro, recebem o óleo de cannabis medicinal pela rede pública, na Clínica de Cannabis Terapêutica Beija-Flor.

Na cidade da Região dos Lagos, a coordenadora de Saúde Mental Mariana Moraes conta histórias de pequenos com epilepsia que, no primeiro dia de tratamento, apresentam melhoras, com crises mais leves e menos frequentes. A ideia para 2024, diz ela, é ampliar o programa para pessoas com demências ou sob cuidados oncológicos paliativos:

— O óleo é usado para tantas patologias por agir no sistema endocanabinoide do corpo, propiciando equilíbrio nas sinapses neuronais e na comunicação entre os órgãos. Então, melhora o sono, diminui a ansiedade… São muitos usos.

Criação de benefício

No município, no entanto, também há dificuldades para manter a oferta. Mariana conta que foi feita uma licitação para que uma empresa especializada realizasse a compra referente ao atendimento dos pacientes por 12 meses, num contrato de R$ 2,2 milhões. Os frascos entregues atualmente são provenientes dessa aquisição. No entanto, a vencedora do certame desistiu da prestação do serviço. A prefeitura estuda juridicamente que resolução será tomada.

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Uma alternativa é adotar outro método: a criação de um benefício, de cerca de R$ 300, para que os pacientes possam, eles próprios, adquirirem o produto.

— O caso do Estado de São Paulo (que sancionou este ano uma lei que garante produtos à base de cannabis medicinal no SUS) mostra como ainda é difícil ofertarmos o tratamento. É um estado forte, rico, mas ainda não encontrou o caminho jurídico para viabilizar sua proposta — lembra Mariana.

No Rio, cidades como Macaé e Cabo Frio já têm leis que abordam o uso medicinal do canabidiol. Já o Estado do Rio foi o primeiro do país a aprovar uma legislação específica, em 2020, para incentivo ao uso da cannabis medicinal. Na Assembleia Legislativa (Alerj), o projeto de Lei 3.019/20, de autoria do deputado Carlos Minc, institui uma política estadual de fornecimento gratuito de produtos à base de canabidiol a pessoas que não têm condições financeiras de arcar com os custos do tratamento. A proposta foi aprovada em primeira discussão no dia 5 de outubro.

Em Volta Redonda, o aposentado João Ricardo de Barros, de 76 anos, chegou a fazer empréstimos consignados para comprar o óleo para a esposa, Percília Ferreira de Macedo Barros, de 70 anos, que tem mal de Parkinson e doença de Alzheimer. Mas a conta não fechava mais:

— A situação vinha piorando a tal ponto que ela só ficava deitada. Não interagia, não conversava. Eu me sentava à beira da cama e começava a chorar, pensando que minha esposa ia amanhecer morta. Com o óleo, ela se levanta durante o dia, anda pela casa.

Fonte EXTRA

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