Com dívida de R$ 2 milhões Livraria Ao Livro Verde, a mais antiga do Brasil, dá entrada a pedido de autofalência
Livraria de Campos dos Goytacazes vive sua pior crise.
Numa edição de julho de 1844, o Monitor Campista , jornal local que circulou entre 1834 e 2009, anunciava a inauguração recente da Ao Livro Verde, na Rua da Quitanda, 22, no centro de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense. A loja pertencente ao português José Vaz Correa Coimbra vendia então “um variado sortimento de obras e mais pertences para escolas de instrução primária e secundária de latim e francês, bem como novelas, histórias e romances”, entre outras coisas. O Brasil ainda vivia no tempo do Império. De lá para cá muita coisa mudou, mas a livraria se manteve firme no mesmo lugar. A rua é que foi mudando de nome. Nesse período testemunhou a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República, duas guerras mundiais, duas pandemias e em 1995 entrou para o livro de recordes como a mais antiga do país. Agora, perto de completar 180 anos, enfrenta a sua pior crise e luta para não escrever o seu último capítulo.
— Nós ganhamos um legado e é importante que deixemos para as próximas gerações — afirma Ronaldo Sobral, atual dono que tem se sensibilizado com a corrente de solidariedade que tem se formado em todo da livraria, desde que ele anunciou o pedido de autofalência que está tramitando na 5ª Vara Cível da Comarca de Campos.
A dívida acumulada é de quase R$ 2 milhões. Segundo Sobral, a crise já vinha se delineando há alguns anos e se agravou com a pandemia, que manteve o estabelecimento fechado por cerca de dois anos. Nesse período, o quadro de funcionário reduziu de mais de 60, dos bons tempos, para apenas nove. Um dos mais antigos, com 60 anos de casa, morreu de Covid-19. Agora é próprio Ronaldo que se recupera da doença após enfrentar 40 dias de internação e seis de intubação.
Mas esses não foram os únicos fatores responsáveis pelas dificuldades da loja: o esvaziamento do centro histórico da cidade, onde está localizada, a crise no mercado livreiro e a redução na venda de material didático, agora comercializado pelos próprios estabelecimentos de ensino também estão por trás dos problemas da quase bicentenária. Com acervo de mais de 3 mil títulos, hoje é o material de escritório que segura as vendas.
Surgida inicialmente para atender demanda por livros importados de Portugal, numa época em que várias famílias portuguesas chegavam à cidade pelo ainda navegável rio Paraíba do Sul, a Ao Livro Verde se transformou com o tempo em espaço frequentado pela intelectualidade local e de toda a região. Quando completou 150 anos, em 1994, texto publicado na capa do GLOBO destacava sua longevidade.
Por entre suas prateleiras circularam gente como José do Patrocínio — reza lenda que a caneta usada pela princesa Isabel para assinar a Lei Áurea foi presente dele comprado na Ao Livro Verde — , o ex-presidente da República Nilo Peçanha, o escritor José Cândido de Carvalho (a livraria serviu de cenário para seu livro “O coronel e o lobisomem” e o “Rei Baltazar” tem um personagem inspirado em João Sobral, pai de Ronaldo), o ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Austregésilo de Athayde, o cronista Carlos Heitor Cony e o cartunista Ziraldo, entre outros., o ex-presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), Austregésilo de Athayde e o cartunista Ziraldo, entre outros.
A livraria reserva um espaço aos autores campistas e a livros que façam referência à cidade. A presidente da seccional campista da Academia de Letras do Brasil (ALB), Sol Figueiredo, considera que não só os leitores, mas também esses autores vão ficar órfão no caso de um possível fechamento. Por essa razão, é uma das pessoas que encabeçam um movimento pela salvação da livraria.
— Fizemos um abraço simbólico e estamos tentando outras ações, como manter uma programação com lançamentos de livros e reuniões para ajudar a movimentar o local que não é só uma loja, mas um espaço cultural. Seria uma perda imensa para a cidade — aponta a escritora que não descarta inscrever a livraria num projeto de lei de incentivo cultural ou mesmo organizar vaquinha virtual para tentar salvá-la do fechamento.
O fotógrafo Leonardo Vasconcellos que pesquisa imagens da cidade, com foco entre 1840 e 1935 lembra que no começo do século passado seu avô era dono de uma livraria chamada Ao Livro Novo, que ficava a menos de cem metros da Ao Livro Verde. A proximidade fez nascer uma amizade entre as duas famílias que perdura até hoje. Dono de uma vasta biblioteca com muitos exemplares que saíram das prateleiras da concorrente, lamenta a crise enfrentada por ela.
—A relação é antiga. Sou natural de Campos e quando era criança meus pais compravam meu material de escola lá. Depois passei a comprar livros jurídicos. Estou chocado com essa situação.
Fernando da Silveira, de 94 anos, um dos cliente mais antigos, também criou uma relação de amizade com os Sobral, que assumiram há quase um século o negócio que passou antes por outros dois donos, além do original.
— A morte da Ao Livro Verde não vai atingir apenas seus donos e empregados, vai ser um crime lesa patria contra a memória de Campos. Tenho fé em Deus que não vai acontecer.
Procurada, a prefeitura de Campos disse que se solidariza com a situação, mas não tem meios legais que permitam o apoio financeiro a uma empresa privada que tenha declarado autofalência. A assessoria de imprensa da Câmara Municipal informou que, o vereador Nildo Cardoso, propôs uma audiência pública para mobilizar os poderes e a sociedade civil para uma possível ajuda à livraria.
Confira a íntegra da nota da prefeitura:
“A Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, ciente do valor histórico da livraria Ao Livro Verde, lamenta que o estabelecimento comercial, assim como outras empresas do segmento, esteja passando por dificuldades. A Prefeitura se solidariza com a situação, mas não tem meios legais que permitam o apoio financeiro a uma empresa privada que tenha declarado autofalência.”
Confira a nota da Câmara Municipal na íntegra:
“A Câmara Municipal de Campos vem cumprindo o seu papel de fiscalizar e propor leis e indicações para que o Poder Executivo tome providências em várias questões que atingem diretamente a sociedade e o seu patrimônio.
A falência da Ao Livro Verde é uma questão judicial que envolve uma instituição privada.
Na ultima quarta-feira (29), o vereador Nildo Cardoso, propôs que uma audiência pública seja realizada afim de mobilizar os poderes e a sociedade civil para uma possível ajuda à livraria.
Vale ressaltar, que mesmo que a situação seja resolvida, a instituição precisa criar mecanismos para que sua saúde financeira se estabilize.
O salvamento de Ao Livro Verde deve ser visto não só pelos poderes do município de Campos, mas quando falamos da livraria mais antiga do Brasil, devemos chamar a atenção dos poderes e órgãos estaduais e federais.”
Fonte EXTRA